Julgando o consenso: o caso Oi no TCU

Julgando o consenso: o caso Oi no TCU

Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) tomou decisão que tende a encerrar um dos mais delicados impasses da regulação brasileira, relacionado à extinção antecipada de contratos de concessão do serviço de telefonia fixa. O caso também revela graves disfunções da nossa governança regulatória. 

A controvérsia tem início em 2019, com a aprovação da Lei 13.879, cuja premissa é simples: as regras previstas nos contratos se tornaram obsoletas, devido à difusão de outras tecnologias. A manutenção dos atuais contratos significaria, em grande medida, desperdício de recursos, que poderiam ser investidos em outras finalidades. 

Com a Lei 13.879, as concessionárias passaram a ter a opção de migrar para um regime regulatório menos oneroso, em que o serviço é prestado sob autorização. Em contrapartida, as concessionárias precisariam assumir novos “compromissos de investimento”. Mas qual deveria ser o valor desses investimentos? 

De acordo com a lei, caberia à Anatel criar uma metodologia para o cálculo. No entanto, na prática, a definição dessa metodologia resultou de intensa interação entre a agência e o TCU. Em março de 2023, após exame das estimativas iniciais da Anatel, o TCU determinou que a agência refizesse as contas (Acórdão 516/2023-P). 

O recálculo impactou as pretensões da Oi, concessionária em recuperação judicial. A empresa alegou que não conseguiria arcar com os valores associados à migração, no valor de R$ 20,3 bilhões. 

A Anatel, então, decidiu trilhar o caminho possível: levar uma proposta de solução consensual ao TCU. Pela proposta, a Oi investiria R$ 5,8 bilhões, valor abaixo do inicialmente estimado. Em contrapartida, a Oi aceitaria prolongar a prestação do serviço até 2028, além de renunciar a créditos discutidos em processos judiciais. 

As unidades técnicas do TCU divergiram. Para a AudComunicações, a proposta não teria respaldo legal e provocaria dano ao erário. Por outro lado, a SecexConsenso entendeu que o TCU deveria adotar uma “abordagem pragmática”. O novo valor dos investimentos não deveria ser encarado como uma ilegalidade, mas sim como uma decisão administrativa nova, capaz de alterar atos administrativos anteriores da mesma hierarquia. Por essa visão, o acordo destravaria investimentos e evitaria novos conflitos. 

No fim, prevaleceu o posicionamento favorável à solução consensual, aprovada por unanimidade pelos ministros do TCU (Acórdão 1.315/2024-P). 

Os fatos expõem peculiaridades do modelo regulatório brasileiro. Em especial, o caso revela que, em matéria de regulação, o TCU se tornou o único espaço institucional em que é possível tomar decisões com razoável segurança jurídica, sem risco de responsabilização. Esse fator explica a popularidade do mecanismo de solução consensual, que tem demonstrado ser um bom instrumento para a superação de problemas regulatórios.

Essa avaliação positiva, contudo, deve ser colocada em perspectiva: o mecanismo tem sido relevante porque oferece uma porta de saída para os reguladores brasileiros, que, há duas décadas, são reféns da falta de regras claras sobre os limites das competências do TCU. 

O caso revela também que, em temas complexos, não é possível encontrar uma resposta técnica única. Quase sempre há diversas alternativas razoáveis. E, em tal contexto, qualquer decisão do TCU tenderá a ser vista como discricionária. Ao participar da principais decisões regulatórias do país, o TCU obviamente ingressa na arena política, enfraquece sua legitimidade técnica e vira alvo.  

Para corrigir esse cenário, é preciso encarar de frente o fato de que o TCU se tornou um grande revisor das decisões das agências reguladoras, algo óbvio há anos. Feito isso, o Congresso Nacional deve se posicionar sobre o lugar exato que o TCU deve ocupar na governança regulatória do Estado brasileiro. 

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