Os desembargadores da 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negaram provimento ao recurso do estado de São Paulo e determinaram que um homem com cicatriz na orelha por uso de alargador seja reintegrado no concurso público para ser soldado da Polícia Militar.
Ele havia sido eliminado do certame por “inaptidão”, devido à cicatriz, e pediu na Justiça a anulação deste ato administrativo. A 5ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo acolheu o pedido. Agora, em decisão publicada em 1 de julho, a segunda instância confirmou a sentença. Leia aqui a íntegra da decisão.
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O estado de São Paulo havia argumentado que a exclusão do candidato foi baseada no edital do concurso, “elaborado com base na discricionariedade que o Administrador Público possui em estabelecer as regras dos editais de concursos públicos para o provimento dos cargos públicos”.
Com relação ao edital do concurso, o item 1 do Anexo E determina que será considerado inapto o candidato que tenha cicatriz/deformidade decorrente do uso de alargador, conforme consta abaixo:
“1. Inspeção Geral: Bócios, exoftalmia, anisocorias, alopecias patológicas, hiperidrose. Desnutrição e hipovitaminoses. Ausência (congênita ou adquirida, total ou parcial) de dedos das mãos e/ou dos pés, deformidade e/ou cicatriz decorrente do uso de alargador de orelha ou acessório semelhante que impeça e/ou dificulte o exercício da função de Policial-Militar ou mesmo a execução de qualquer exercício necessário para o aprimoramento físico”.
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Ainda de acordo com o estado, a eliminação foi realizada conforme a regra expressa no edital do concurso público, sendo razoável presumir inaptidão diante da necessidade de realização dos esforços físicos da atividade policial.
A relatora do caso na 7ª Câmara de Direito Público, desembargadora Mônica Serrano, desconsiderou os argumentos apresentados — mesmo após ponderar que o Poder Judiciário, “sob pena de violar o princípio da separação de poderes, não deve rever a liberdade, o juízo de valor, a conveniência e a oportunidade do ato administrativo discricionário”.
No entanto, ela frisa que, atualmente, “vigora o entendimento de que o Judiciário deve realizar o controle de legalidade em sentido amplo, ou seja, deve-se verificar a compatibilidade do ato administrativo com a lei, regras e princípios constitucionais”.
Nesse sentido, prossegue a relatora, “a aplicação desta previsão editalícia sem que se verifique as peculiaridades de cada caso concreto se mostra demasiadamente limitativa e fere a razoabilidade, sobretudo pelo fato de a existência de cicatriz decorrente de cirurgia reparadora da orelha pelo uso de alargador não impor ao candidato restrições à prática de exercícios físicos ou ao exercício do cargo público almejado”.
Ao analisar a cicatriz, continua a magistrada, “não é possível concluir que ela possa causar qualquer restrição para a prática de atividade físicas ou que isto seria capaz de comprometer ou impedir o desempenho da distinta atividade policial pelo autor, caso seja aprovado nas demais etapas do concurso”.
Ela também argumentou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar RE 898.450 (Tema 838), fixou a seguinte tese: “Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais”. A partir deste “paradigmático precedente”, prosseguiu a magistrada, “devem ser repelidas restrições editalícias que objetivamente não se mostrem razoáveis”.
A desembargadora conclui, nesse sentido, que “a restrição editalícia em questão fere a razoabilidade revestindo de ilegalidade o ato administrativo ora impugnado”. Ela ainda citou a jurisprudência do próprio TJSP, que se manifestando “majoritariamente nesse caminho”.
O processo tramita no TJSP com o número 1060339-40.2023.8.26.0053.